Embriaguez ao volante e seus meios de prova
O tema embriaguez ao volante sempre gerou discordância quando deparado ao principio da não incriminação. Em tese o princípio da não auto-incriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere) significa que ninguém é obrigado a se auto-incriminar ou a produzir prova contra si mesmo. Dessa maneira, nenhum indivíduo pode ser obrigado a fornecer involuntariamente qualquer tipo de elemento que o envolva direta ou indiretamente na prática de um crime. Pode-se afirmar que o princípio da não auto-incriminação apresenta diversos reflexos e consequências, tais como o direito do acusado ao silêncio, o direito do acusado de não praticar qualquer ato que possa incriminá-lo e, ainda, o direito do acusado de não produzir nenhuma prova incriminadora que envolva a disposição de seu próprio corpo.
Em que pese prever unicamente o direito de permanecer em silêncio, tanto a doutrina como a jurisprudência tem afirmado que referido direito abrange diversas outras garantias, especialmente no que toca à produção de provas. Ademais, é derivado da junção da presunção de inocência e da ampla defesa, sendo de extrema relevância sua inclusão no direito brasileiro. Nesse sentido, NUCCI:
"Trata-se de decorrência natural da conjugação dos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII) e da ampla defesa (art. 5º, LV), com o direito humano fundamental que permite ao réu manter-se calado (art. 5º, LXIII). Se o indivíduo é inocente, até que seja provada sua culpa, possuindo o direito de produzir amplamente prova em seu favor, bem como se pode permanecer em silêncio sem qualquer tipo de prejuízo à sua situação processual, é mais do que óbvio não estar obrigado, em hipótese alguma, a produzir prova contra si mesmo". (2011, p. 86)
Essa garantia constitucional vem sendo flexibilizada, não só pelo legislador, mas também pelo próprio judiciário. O clássico caso que sempre divide doutrinadores é a embriaguez ao volante. Constitucionalmente ninguém é obrigado a realizar prova em seu desfavor no sentido de comprovar ter cometido o ilícito de dirigir sob a influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Entretanto o Art. 165-A do CTB apresenta o seguinte texto:
Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Notadamente, é notório o fato de que a tese basilar acerca da inconstitucionalidade do referido artigo é lastreada na garantia constitucional da não-autoincriminação. É fato que mencionado artigo não dispõe explicitamente acerca da obrigatoriedade do condutor em realizar o teste do bafômetro. Entretanto, ao prever graves penalidades àquele que rejeita a realização do teste, deixa ao condutor uma obrigação tácita, de maneira a persuadir o motorista à realização do teste. E é assim que violaria, em tese, o direito a não-autoincriminação.
O artigo 165-A, assim como próprio artigo 306 do CTB já tem sido objeto de disputa nas cortes brasileiras. Infelizmente os julgamentos ainda não são uniformes, deixando a questão a mercê da “roleta russa” do judiciário. É absolutamente vergonhoso para qualquer operador do direito se deparar com uma punição administrativa severa pelo simples exercício regular de um direito constitucional.
Nesse sentido, o artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, por deter maior força normativa, deve liquidar o artigo 165-A do CTB, pois não pode o legislador, em hipótese alguma, obrigar o cidadão a produzir provas incriminadoras contra si mesmo. Em que pese não seja atribuído expressamente ao condutor o dever de realizar os testes previstos no artigo 277 do CTB, aplicar penalidades administrativas ao condutor que não o faz é exigir-lhe tacitamente que o faça.
Assim, sendo vedada constitucionalmente a obrigação de produzir provas contra si mesmo, não pode o Estado aplicar quaisquer sanções ao condutor que se negar a realizar o teste do etilômetro ou qualquer outro, pois, quando o cidadão se nega, está usufruindo de um direito constitucionalmente previsto, não podendo ser penalizado por isso. A penalização administrativa desta conduta acarreta grave violação aos direitos fundamentais.
O judiciário vem tentando encontrar alternativas para aplicar as penas previstas no artigo 306 do CTB, utilizando de meios diversos de prova do que os criados pelo próprio condutor.
Nesse sentido 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT, por unanimidade, negou provimento ao recurso do réu e manteve a sentença que o condenou pelo crime de embriaguez ao volante e fixou pena de 6 meses e 10 dias de detenção, multa e suspensão de carteira de habilitação por 2 meses.
Segundo a denúncia oferecida pelo MPDFT, uma equipe de patrulhamento da polícia militar abordou o acusado, após perceber que ele conduzia seu veiculo em local considerado como ponto de venda de drogas. Durante o procedimento, constataram que o condutor apresentava sinais visíveis de embriaguez, como fala embargada e olhos vermelhos, além de terem encontrado no interior do carro, garrafas e latas de bebidas alcoólicas. O réu foi apreendido e levado para a delegacia, oportunidade em que recusou fazer o teste do etilômetro (bafômetro), mas teria confessado, informalmente, o uso de álcool e drogas. O réu apresentou defesa, na qual argumentou sua absolvição por ausência de provas.
Ao proferir a sentença, o juiz titular da 2ª Vara Criminal de Taguatinga explicou que restou comprovado, pelos depoimentos dos policiais “que o réu apresentava sinais de embriaguez, e que, inclusive, no momento da abordagem admitiu ter feito uso de álcool e drogas”. Também acrescentou o auto de constatação de alteração da capacidade psicomotora atestou “que o réu apresentava olhos vermelhos, desordem nas vestes, hálito alcoólico, dificuldade no equilíbrio e fala alterada”. Assim, o condenou pela prática do crime de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, previsto no artigo 306, caput, c/c § 1º, II, do Código Brasileiro de Trânsito.
O réu interpôs recurso sob a alegação de que não há prova oficial de que estava sob a influência de álcool ou entorpecente e que sua condenação não pode ser baseada em um documento produzido pelos próprios policiais que o prenderam. Contudo, os desembargadores entenderam que a sentença deveria ser integralmente mantida. O colegiado reforçou os argumentos da sentença e ressaltou “o Auto de Constatação de Sinais de Alteração da Capacidade Psicomotora juntado aos autos é válido e, analisado em conjunto com as declarações dos policiais, na fase de investigação e em juízo, não há dúvidas acerca da materialidade e da autoria delitiva, havendo provas suficientes para a condenação de crime de embriaguez ao volante.”
Na linha do julgado é possível concluir, ainda que de maneira opinativa, que o judiciário concorda coma garantia Constitucional da não auto não-autoincriminação, buscando fundamentar as condenações em provas diversas aos exames voluntários dos motoristas. Hoje a palavra dos agentes de trânsito, em consonância com demais elementos de prova, podem embasar as condenações criminais por embriaguez ao volante. Esta foi a forma encontrada pela jurisprudência para aplicar a lei, sem desrespeitar o texto constitucional.