Prisão em segunda instância - Rasgando a Constituição
Entre as diversas virtudes da Constituição de 1988, sem dúvida alguma se pode destacar o texto apresentado pelo artigo 5º LVII, conhecido como princípio da presunção da inocência:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
O texto é inequívoco e dispensa análise minuciosa do reflexo jurídico que o legislador pretendia na data da redação. Basta entender o sentido da expressão “trânsito em julgado”, essa que simboliza a irrecorribilidade de sentença ou acórdão, ou seja, para uma sentença ser considerada definitiva ela deve ser impassível de recursos que alterem seu teor.
A estrutura jurídica apresentada na Constituição de 1988 apresenta notória possibilidade de revisão dos atos judiciais, forma essa encontrada pelo legislador de tentar reduzir ao máximo o número de erros cometidos por magistrados ou partes dentro do processo, resultando assim na tão aclamada justiça.
De fato a intenção prevista pelos redatores do texto constitucional é brilhante, o mesmo julgado pode ser apreciado por diversos magistrados, foi construída uma “escada” judiciária, onde quem esta no andar de cima tem claro poder de revogar os atos infra realizados.
Como toda teoria o problema nasce na hora da prática. Visto a demanda infindável de processos criminais, aliado a notória falta de fiscalização e coerção do CNJ acerca do trabalho realizado por magistrados, o caminho previsto pela Constituição de 1988 para os processos acaba se tornando longo e muitas vezes absolutório graças ao instituto da prescrição.
Graças a essa longa jornada processual o sentimento de impunidade se espalhou dentro da sociedade Brasileira. São inúmeros os casos de condenados a sentenças restritivas de liberdade que saem pela mesma porta que entraram na sala de julgamento, isso graças ao princípio da presunção de inocência que impera dentro do ordenamento jurídico.
Utilizando a forma Brasileira de solucionar problemas, ao invés de aperfeiçoar a celeridade processual, punindo juízes que “sentam” encima de processos por anos, ou mesmo utilizando a tecnologia em favor da justiça, o STF discute a viabilidade da execução de sentença penal após a análise de segunda instância.
A medida é evidentemente uma afronta à cláusula pétrea contida no artigo 5º da constituição.
Países democráticos, esses que tem sua carta maior respeitada, qualquer medida que colide com preceitos constitucionais são vedados pela suprema corte. Em terras tupiniquins, onde o mais importante é atender o clamor popular a qualquer custa tal ideologia não é respeitada, pelo contrário, a própria suprema corte rasga a constituição.
Vale-se dizer que tal medida é notório retrocesso jurídico. Basta voltar poucas páginas na curta história da república Brasileira para entender. Em 1937 Getúlio Vargas publicou o Decreto-Lei nº 88 que criava o Tribunal de Segurança Nacional, esse que julgava os crimes contra o Estado e contra a economia popular, introduzindo na legislação a prisão sem o trânsito em julgado da condenação e transferindo para o acusado a obrigação de provar a própria inocência. O artigo 20º apresentava o seguinte texto:
“Presume-se provada à acusação, cabendo ao réu prova em contrário”.
A medida condenatória antes do transito em julgado claramente presume a tese acusatória antes do término da ação penal. Antes do término de todas as instâncias legalmente possíveis o condenado não pode ser tratado como condenado, tal pensamento não é uma questão ideológica ou doutrinária, é preceito constitucional.
Tal medida não pode ser decidia pelo STF, a competência da suprema corte é a interpretação e aplicação da Constituição, não sendo possível assim a alteração de preceitos constitucionais pelos ministros.
A impunidade existe, é uma realidade Brasileira. Injustiças não podem ser combatidas igualmente com injustiças. O caminho para a celeridade em condenações não é reduzir o número de análises processuais, mas sim torna-las mais rápidas.
O direito de defesa não deve ser cerceado, a resposta para o fim da impunidade esta na cobrança de um trabalho célere e proporcional aos vencimentos dos magistrados. Alterar cláusula pétrea através de determinação do poder judiciário apenas ajuda ainda mais a destruir a ordem da república.