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Uso de algemas. Um mal desnecessário


Criada com o intuito de imobilizar prisioneiros ou agressores as algemas vem sendo usadas desde que o homem aprendeu a manipular o metal. O intuito é claro, imobilizar o agente impossibilitando movimentos sejam com os braços, mãos ou pernas.

O paralelismo entre algema e prisioneiro é notório, a se ver uma pessoa algemada logo de assemelha a concepção de criminoso, concluindo que aquele agente algemado é culpado por um fato delituoso. Tal reflexão acontece de forma involuntária pelo ser humano, em milésimos de segundos o pré-julgamento ocorre, isso em decorrência das referencias que qualquer um recebe ao longo da vida. Não é uma questão preconceituosa, mais sim racional, é uma correlação automática do cérebro humano, da mesma forma se assimila fogo a calor.

O pré-julgamento feito a se ver um agente imobilizado é extremamente perigoso, visto que algemas não são sinônimos de condenação, muito menos de periculosidade. A função do objeto é simplesmente limitar a movimentação do algemado para impedir situações de risco. As algemas foram criadas para proteger tanto quem algema como aquele que é algemado, sendo um artifício de extrema utilidade dentro de uma política de segurança pública.

A mais antiga e famosa frase jurídica se aplica perfeitamente para esse cenário: a justiça é cega. O julgamento do acusado deve ser feito baseado nas provas de autoria e materialidade contidas nos autos, deixando de lado qualquer fator estético atribuído ao suposto autor da conduta delituosa. Não importa a etnia ou a condição social, estando ele acorrentado ou solto, nada deve ser levado em consideração no momento de basear a condenação.

A teoria parece simples, mas nada é simples quando se decide o futuro de alguém. Sete jurados, sete cidadãos comuns sem conhecimento jurídico aprofundado com um único objetivo: julgar seu semelhante. Qualquer pessoa que não esteja acostumado com dia a dia do direito criminal se choca ao ver um ser humano de uniforme bege arrastando correntes com dificuldades.

Isso é um fato. Não carece de discussão. Em busca de proteger acusados do preconceito gerado pelas algemas, zelando pelas prerrogativas constitucionais da plenitude de defesa e do devido processo legal, o Código de Processo Penal apresenta em seu artigo 474, § 3º a seguinte redação:

“Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”

O artigo deixa evidenciado que o uso de algemas é exceção, a regra é manter o acusado livre de algemas ou amarras salvo em caso de comprovado risco, esse que deve ser fundamento pelo magistrado por escrito. O assunto é de tamanha importância que foi tema de súmula vinculante do STF:

Súmula vinculante nº 11:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

A súmula apresenta entendimento inequívoco, a regra é não algemar, sendo que em caso de uso a necessidade deverá ser fundamentada pela autoridade coatora, prevendo inclusive penalidade disciplinar, civil e criminal para o uso indevido de algemas.

Hoje o uso de algemas deve ser fundamentado tanto por autoridades policias como por magistrados em qualquer âmbito processual, seja uma simples condução coercitiva ou durante um complexo plenário do tribunal do júri.

A relevância da súmula esta no avanço interpretativo do texto legislativo. Se o uso de algemas gera dano irreparável ao Réu durante julgamento em plenário, logo por lógica se entende que o uso de algemas também gera prejuízo a qualquer cidadão que venha a sofrer com o uso da força pelo Estado. O STF simplesmente pacificou algo que já era óbvio, algemas devem ser medida de ultima ratio, visto que geram constrangimento absolutamente desnecessário quando não há resistência física ou risco de fuga.

O intuito do presente artigo não é divagar sobre a legalidade do uso de algemas, mas sim levar o leitor a refletir sobre a real aplicação da mesma. Para os operadores do direito, aqueles que diariamente constam em atas de audiência, vale a pergunta: estaria a determinação da suprema corte sendo seguida?

É comum avistar Réus completamente acorrentados em plenários do júri por todo território nacional. Advogados combatentes, que lutam pelos interesses de seus clientes, sempre solicitam a retirada dos artefatos, e quando tem seu pedido negado às justificativas são diversas, entretanto sempre as mesmas. Magistrados justificam seus atos usando deis da falta de aparato estatal para realizar a segurança de plenário, como falta de policiamento e agentes penitenciários até mesmo o excesso de familiares do Réu na plateia.

A deficiência de segurança dentro de plenário é um ônus estatal, não podendo gerar prejuízos para o acusado. Fundamentar sentença em falta de efetivo policial ou deficiência nas dependências do plenário é absolutamente inaceitável. O Réu que não oferece risco não pode ser submetido à rejuízo irreparável por conta de falhas estruturais do poder judiciário. Tal preceito afronta o principio do devido processo legal.

Atualmente a súmula só é empregada em apelações defensivas com base em nulidade absoluta do procedimento, requerendo realização de um novo júri. Não são poucos os casos dos tribunais superiores negarem o provimento do recurso alegando a existência de fundamentação do juízo a quo quanto à necessidade do uso de algemas.

Como de praxe no judiciário Brasileiro, talvez pelo excesso de demanda ou pela carência de um CNJ que fiscalize a produção dos magistrados, a jurisprudência já é pacifica em aceitar absurdos como estes, tornando ainda mais difícil a vida de quem ocupa o banco dos Réus.

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